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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Perashat Vayishlach

E enviou Ia'akob mensageiros na sua frente a Essav, seu irmão, à terra de Se'ir, campo de Edom. E ele os ordenou, dizendo: "Assim vocês dirão ao meu senhor, a Essav: Assim disse teu servo Ia'akob: Com Laban eu morei, e me demorei até agora. E eu tive boi e burro, gado e servo e serva, e eu os enviei para pedir ao meu senhor que ache graça aos teus olhos." E voltaram os mensageiros a Ia'akob, dizendo: "Fomos até teu irmão, a Essav, e também ele vem ao teu encontro, e há quatrocentos homens com ele."  E temeu Ia'akob, muito, e sofreu; e dividiu o povo que tinha consigo, o gado, o rebanho e os camelos em dois acampamentos. E disse: "Se vier Essav a um acampamento e o ferir, o segundo acampamento escapará." E disse Ia'akob: "D'us de meu pai Abraham, e D'us de meu pai Itschak, Hashem, que me diz 'Volte à tua terra, à terra onde nasceste, e te farei bem'; eis que sou muito pequeno para todas as bondades e toda a verdade que fizeste com Teu servo, pois com meu cajado atravessei este Jordão, e agora estou dividido em dois acampamentos. Por favor, salve-me da mão de meu irmão, da mão de Essav, pois eu o temo, para que ele não venha e fira a mãe e os filhos. E Tu disseste 'Eu te farei bem, e pus tua semente como a areia do mar, que não será contada por ser muito grande'."
Bereshit 32:4-13

No final da perashá anterior (Perashat Vayetsé), Ia'akob e Laban se despedem, após este ter perseguido nosso patriarca e D'us tê-lo impedido de ferir. Ia'akob possuía razão neste ponto, havia trabalhado e queria agora ter descanso depois de tantos anos de trabalho desumano. Agora, ele se encontrava em uma situação diferente: ele estava a caminho de volta para sua terra natal, a terra de Israel, e teria de lidar com seu irmão, que certamente ainda possuía muito ódio e ressentimento por haver "perdido" as bençãos de sua primogenitura - vale lembrar que Ia'akob comprou dele a primogenitura e tinha direito a ela, porém o motivo do temor de Ia'akob foi que ele enganou seu pai para receber essa benção, se passando por seu irmão, e sabia que D'us poderia cobrar dele por esse erro. Para apaziguar a ira de seu irmão, ele enviou mensageiros e presentes com eles, e procurou se apresentar perante seu irmão como se fosse um simples servo (uma coisa a se notar: a palavra usada para "mensageiros" é a mesma usada para "anjos", e há comentaristas que opinam que Ia'akov teria enviado anjos de verdade, e não mensageiros humanos). Os mensageiros retornam com uma informação nada animadora: seu irmão vinha com um verdadeiro exército ao seu encontro. Por mais que Ia'akob possuísse muitos servos, ele próprio não era dado a combates e muito menos tinha preparado um "exército" como tinha seu avô Abraham, e não teria a menor chance de salvar todo o seu acampamento. Para evitar um possível massacre, ele separou em dois acampamentos, e os manteve a uma boa distância um do outro, porque se Essav e seu exército atacasse um dos acampamentos, o outro teria a possibilidade de escapar. Seu principal temor, como um verdadeiro homem, responsável por sua família, foi pedir que D'us não permitisse que Essav atacasse o acampamento no qual suas esposas e filhos se encontravam - não há nenhuma citação dele rezando pela proteção dos seus bens ou dos objetos de valor. Ele conclui sua reza lembrando da promessa que D'us fizera a seus pais e a ele também, no qual D'us promete que sua descendência seria incontável.
Devemos aprender de Ia'akob sua humildade perante D'us, pois ele assume que não merecia toda a bondade que foi feita com ele, num reconhecimendo claro do atributo de misericórdia de D'us. Muitas vezes, talvez por ignorância ou problemas que vivemos, achamos que D'us tem a obrigação de nos fazer bondades e até milagres. Ia'akov havia recebido a promessa Divina de que sua descendência seria numerosa, e nem por isso deixou sua humildade de lado e exigiu dEle que o salvasse. Que sirva de lição a todos e que possamos ser humildes e reconhecer todas as bondades que Ele nos faz, "por todos os Teus milagres que diariamente Tu fazes conosco, e pelas Tuas maravilhas e Tuas bondades que fazes a todo tempo" (trecho da Amidá).

Nota: judeus do Marrocos (e alguns outros sefaradim) tem o costume de ler este trecho sempre logo após haver feito toda a havdalá. O costume de recitar esta porção vem por ser considerada uma segulá para proteção e benção para a semana que se inicia.

Perashat Vayetse

E saiu Ia'akob de Beer Sheba e foi a Charán. E chegou ao lugar e pernoitou lá, pois o sol havia se posto, e tomou das pedras do local e as colocou como cabeceira; e deitou-se naquele lugar. E sonhou e eis que uma escada estava posta em direção da terra e sua ponta (cabeça) alcançava até os céus; e eis que os anjos de D'us subiam e desciam nela. E eis que Hashem estava posto acima dela, e disse: "Eu sou Hashem, D'us de Abraham teu pai, e o D'us de Itschak; a terra sobre a qual tu estás deitado, a ti Eu a darei e à tua semente. E tua semente será como o pó da terra, e te estenderás ao mar, ao oriente, ao norte e ao Negeb; e em ti serão benditas todas as famílias da terra, e em tua semente. E eis que Eu estarei contigo e te guardarei em todo lugar que fores, e Eu te trarei a esta terra, pois Eu não te abandonarei mesmo depois de ter te feito o que Eu te falei." E terminou Ia'akob seu sono e disse: "Certamente Hashem está neste lugar, e Eu não sabia." E viu e disse "Quão temível é este lugar! Aqui não é outra coisa senão a Casa de D'us, e este é o Portão dos Céus." E levantou Ia'akob pela manhã e tomou a pedra que pôs como cabeceira e fez dela um altar e verteu azeite sobre sua ponta (cabeça). E chamou o nome do local de Bet El, e Luz era o primeiro nome da cidade. E Ia'akob jurou um juramento dizendo: "Se D'us estiver comigo e me guardar neste caminho que estou caminhando, e me der pão para comer e roupa para vestir, e me trouxer em paz à casa de meu pai, e se for Hashem para mim por D'us, esta pedra que pus por altar será por 'casa de D'us', e tudo o que Tu me deres, dizimarei para Ti."
Bereshit 28:10 - 28:22

No final da perashá anterior (Perashat Toldot), Ia'akob foi enviado por seu pai Itschak a Padan Aram, à casa de seu cunhado Laban, para tomar de lá uma esposa, com a recomendação expressa de não tomar esposa do meio das mulheres canaanitas. Agora ele, na sua ida em busca de uma esposa digna e também fugindo da fúria de seu irmão, chega até o Monte Moriá (Monte do Templo), e ali ele procura descansar. Em Berachot 26b, os Sábios dizem que "vayifgá bamakom" (e chegou ao lugar) deve ser entendido como "e rezou no lugar", baseando-se na linguagem aplicada também pelo profeta Irmeiá (Jeremias 7:16) "veal tifgá bi" (e não reze para mim) - eles seguem explicando que aqui Ia'akob estabeleceu a reza de arbit. Quando ele foi dormir, ele pegou das pedras do lugar para por de cabeceira, e as pôs de forma a circular a sua cabeça porque temia algum ataque de animais selvagens.
Vemos também que aqui há uma segunda aparição do conceito de dízimo, que aparece pela primeira vez quando Abraham dá a Malki Tsedek um décimo do que tinha. O mandamento de dízimo (ma'asser) vem a nos lembrar que somos apenas donos temporários do que "possuímos", que é uma dádiva do Alto que deve ser usado para o nosso sustento e cumprir mandamentos. Bom lembrar que o mandamento de ma'asser é referente a tirar a décima parte dos frutos, animais e cereais, e não era pago em dinheiro de forma alguma - o que se poderia fazer em determinadas circunstâncias era vender o animal/vegetal a ser levado como ma'asser, pegar o dinheiro e comprar em Jerusalém para oferecer no Bet Hamikdash. Hoje em dia, como não há Templo de pé e os sacerdotes (kohanim) estão impuros para receber o ma'asser, faz-se um "pidyon", no qual separamos a parte a ser tida como ma'asser e a "redimimos" com o valor de uma moeda, que não deverá ser usada de forma alguma - a mitsvá de ma'asser (dízimo) e terumá (oferenda) de vegetais se aplica apenas a produtos da terra de Israel.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Perashat Toldot

E esta é a história de Itschak, filho de Abraham; Abraham gerou a Itschak. E Itschak tinha 40 anos ao tomar Ribká, filha de Betuel, o arameu de Padan Aram; irmã de Laban, o arameu, tomou para si por mulher. E pediu Itschak a D'us em favor de sua mulher, porque ela era estéril; e o Eterno se compadeceu dele, e concebeu Ribká sua mulher. E conflitaram os filhos no interior dela. E ela disse "Se for assim, pra quê eu vivo?" E foi consultar o Eterno. E disse o Eterno a ela "Há dois povos no teu ventre, e duas nações do teu interior se separarão; e uma nação se sobrepujará sobre outra nação, e o maior servirá ao menor." E se completaram os seus dias de parir, e eis que havia gêmeos em seu ventre. E saiu o primeiro, o avermelhado. Ele todo era coberto de pelos; e foi chamado seu nome Essav. E depois disso saiu seu irmão; e sua mão segurava no calcanhar de Essav. E chamou seu nome de Ia'akob; e Itschak tinha 60 anos quando eles nascerem. E cresceram os jovens, e Essav era um homem que sabia caçar, homem de campo; e Ia'akob era um homem puro, que se assentava em tendas. E amou Itschak a Essav, pois tinha a caça em sua boca; e Ribká amava a Ia'akob. E cozinhava Ia'akob um cozido; e vinha Essav do campo, e estava cansado. E disse Essav a Ia'akob "Me alimente por favor com esta coisa avermelhada, pois estou cansado"; e por isso foi seu nome chamado de Edom (avermelhado). E disse Ia'akob "Me venda, claro como um dia, tua primogenitura." E disse Essav "Eis que estou a caminho de morrer; para quê me serve a primogenitura?" E disse Ia'akob "Me jure, claro como o dia!" E (Essav) lhe jurou; e vendeu sua primogenitura a Ia'akob. E Ia'akob deu a Essav pão e cozido de lentilhas. E (Essav) comeu, se saciou, se levantou e se foi; e desprezou Essav sua primogenitura. E houve fome na terra, além da primeira fome que houve nos dias de Abraham; e foi Itschak a Abimelech, rei dos filisteus, a caminho de Guerar. E apareceu a ele o Eterno, e disse "Não desça até o Egito; habite na terra que Eu te disser. Habite nesta terra e Eu estarei contigo; pois a ti e a tua descendência Eu darei todas estas terras, e erguerei Meu juramento que Eu jurei a Abraham teu pai. E aumentarei a tua semente como as estrelas do céu, e dei à tua semente todas estas terras; e serão benditas em tua semente todos os povos da terra. Pois Abraham ouviu Minha voz; e guardou Minha ordem, Meus mandamentos, Minhas leis e Meus ensinamentos."
Bereshit 25:19 - 26:5

Depois da morte de Abraham no final da perashá passada (Chayê Sará), a Torá passa a contar a história de Itschak. É a única perashá dedicada a contar sua história. Assim como Sará anteriormente, Ribká era estéril, e não podia gerar filhos. D'us atendeu o pedido de Itschak e tornou sua mulher fértil. Quando engravidou, seus filhos conflitavam, o que levou Ribká a ficar preocupada com o futuro de seus filhos - afinal, se já brigavam desde aquele momento, como seria posteriormente? E não só isso: a briga se dava sempre que se passava por determinados locais. Se ela passasse próximo a um local de idolatria, Essav brigava, querendo se ater a estes locais; e sempre que ela passava por um local de estudo da lei Divina, Ia'akob era quem lutava e procurava se aproximar. Por causa disso, ela foi até Shem - que ainda estava vivo naqueles dias - e pediu a ele que fosse consultar o Eterno. D'us a esclareceu de que duas forças opostas estavam dentro dela, personificados em seus filhos; dois grandes potenciais que dirigiriam o futuro da Humanidade. D'us esclarece que Essav e Ia'akob também não poderão estar ambos juntos como cabeça: enquanto um estiver dominando, o outro estará por baixo - porém, no final, "o maior servirá ao menor", indicando claramente como seria o fim dessa disputa.
Há ainda uma coisa interessante a ser dita: apesar de Essav ter influência voltada para a idolatria e Ia'akob para o serviço Divino, ambos nasceram puros e nenhum estaria sem liberdade de escolha para tomar o caminho que desejasse. A palavra "gêmeos" em hebraico se escreve "תאומים" (teomim); entretanto a Torá escreveu esta palavra sem a letra alef, escrevendo "תומים" (tomim), que também pode ser lido como "puros". A Torá neste ponto aparenta dizer "Eles nasceram com seus potenciais e influências, porém cada um teve a liberdade de escolha, a ponto de os gêmeos terem nascido puros, sem qualquer sujeira ou incapacidade de escolha".
Apesar da liberdade de escolha, Essav se deixou levar pela má inclinação e passou a tomar atitudes impróprias conforme foi crescendo e se tornando adulto. Itschak, apesar dos erros de Essav, o amava muito e de certa forma o tinha como o filho preferido. Uma possível explicação do motivo pelo qual Itschak o preferia era porque "tinha a caça em sua boca" - um comentarista afirma que isto significa que Essav "caçava" (enganava) com palavras dizendo coisas agradáveis a seu pai, aparentando ser uma pessoa piedosa, chegando inclusive ao ponto de perguntar como deveria dizimar o sal (algo que definitivamente não é requerido dizimar).
Logo em seguida a contar isto, a Torá passa a contar sobre a venda da primogenitura. Ia'akob era estudante de Torá e sabia que Essav faria um péssimo uso da primogenitura, e então a quis para si, para poder usá-la no serviço Divino. A oportunidade lhe fora dada por D'us durante o período de luto pela morte de Abraham. Essav não respeitou o luto e saiu para caçar como de costume, e ao voltar encontrou Ia'akob cozinhando um cozido de lentilhas, um prato comum para o período de luto. Ele voltara cansado do campo, e estava faminto. Ia'akob, procurando verificar se o irmão se importava com a primogenitura, decide lhe pedir para vendê-la em troca da sopa de lentilhas que vendia, o que Essav concorda sem nem mesmo pensar. Essav não estava em situação de morte iminente - estava apenas cansado -, mas tinha tanto desprezo que aceitou vender por uma comida que se come quando se está de luto! E o seu desprezo fica ainda mais evidente quando atentamos à forma que Essav falou da comida: "esta coisa avermelhada". Ou seja, sequer se importou em saber o que iria comer, se era uma comida boa ou ruim, simplesmente vendeu sua primogenitura por algo que sequer sabia o que era. Com a venda efetuada e confirmada por juramento, Ia'akob serviu ao irmão também pão para comer e saciar sua fome apropriadamente. E assim que seu irmão terminou de comer, ele se levantou e foi embora, e nunca o procurou para tentar reaver sua primogenitura.
Logo em seguida D'us mandou uma nova fome na região da Terra de Israel, o que forçou Itschak a sair da região onde morava. Ele foi até a região costeira, onde os filisteus moravam, e ali se estabeleceu. D'us o impediu de seguir adiante até o Egito, pois não era seu papel, e a fome logo cessaria. Chegando no local, D'us o afirma que ergueria Seu juramento porque Abraham guardou "Minha ordem, Meus mandamentos, Minhas leis e Meus ensinamentos". "Minha ordem" (mishmarti) se refere às ordens dadas para impedir a violação de um mandamento da Torá; "Meus mandamentos" se refere aos mandamentos que possuem explicação na Torá; "Minhas leis" se refere aos mandamentos que não possuem nenhuma explicação lógica (como a proibição de misturar lã e linho); e "Meus ensinamentos" (torotai) se refere tanto aos ensinamentos éticos e morais como também às duas Torás que existem -  a Torá Escrita e a Torá Oral. Com essa explicação, D'us passou a mensagem de que guardará o povo judeu futuramente se seguir o exemplo do nosso pai Abraham, guardando "Minha ordem, Meus mandamentos, Minhas leis e Meus ensinamentos".